OLAVO PASCUCCI

O pensamento vivo, hirto e pulsante do engenheiro Olavo Pascucci.

08 junho 2016

OF FINER THINGS



Já fui de fazer citações algo mais eruditas. Mas o amigo leitor, desta feita, terá de escamotear — se é de escamotear — a superior reação de nojo e aceitar que eu principie citando The Office. Pior: a versão americana, que nem para referir obscuras preqüelas britânicas este autor serve mais. Admitamos desde já que tenho gostos ecléticos, e foda-se. E que, entre o meu Mahler e o meu Lagavulin 16, há também espaço para o Framengo e The Office. E foda-se (passe a reiteração).

Fato é que, nas horas vagas (que têm sido muitas, e proveitosas), costumo rever de enfiada os episódios da série que celebrizou Steve Carell (que, no meu douto juízo, merecera o Oscar pela cena de Virgem aos 40 em que brada “fuck me! in the ass!”, ao ser depilado brutalmente por uma dessas asiáticas que, n’América, fazem barba, cabelo e bigode). Muito por gosto, confesso, outro tanto para esganar a rôla pensando na Jenna Fischer (o que não admite confissão, por óbvio). Pois, lá pelas tantas, a referida Jenna Fischer junta-se a dois perobos para juntos celebrarem the finer things, nomeadamente a arte e a literatura.

A só menção às tais finer things desencadeia em mim todo um processo proustiano. Noutros autores menos respeitosos da serventia de seus orifícios corpóreos, processos proustianos costumam despertar um desejo furioso de dar o cu, por recordarem verões idos com primos de segundo grau numa época em que primas nenhumas, nem de primeiro nem de segundo, condescendiam em chupar os nossos paus. Nimim não. Processos proustianos remetem-me quer à Marcia Peltier (de quem já falei abundantemente), quer ao Apicius. O foder e o comer, e com isso esgotamos a nossa vã fisiologia.

O leitor que, porventura, tenha dificuldades em identificar de quem falo faria melhor, talvez, em ir tomar na peida ou alfabetizar-se, conforme a sua inclinação no momento. Apicius foi, durante décadas, o único crítico gastronômico que prestasse neste nosso país caipira. Escrevia na Revista de Domingo do fenecido Jornal do Brasil, numa época em que também o Brasil ostentava lá as suas finer things. Não triunfara, ainda, o estilo débil-mental da Folha do sujeito-verbo-objeto, e um espírito letrado como o do Apicius podia perder-se em longas digressões, períodos compostos de por medio, para afinal chegar aos seus javalis com molho de cerveja preta (isso numa época em que faltava até boi gordo nos pastos).

Full disclaimer (diria, limpando num lenço o dedo sujo de Hipoglós, o colunista pederasta e esquerdista do New York Times): falo do Apicius para dissimular o meu constrangimento por estar fazendo algo que raia a matéria paga. Pois ontem fui conhecer o estabelecimento Ró Raw & Wine, sito à rua Pacheco Leão, 102, Jardim Botânico, São Sebastião do Rio de Janeiro. Obra de meu amigo Alexandre Lalas, um dos mais eméritos conhecedores das cousas do bom comer, do bom beber e do bom foder neste nosso país-continente. Pois, desta feita, o insuspeito Lalas resolveu surpreender-nos com uma empreitada que, não fosse o seu caráter utilitário, estaria a um passo da pederastia (um passo além): abriu um restaurante vegan, ou de cozinha vegana, como ele diz, dorso da mão na cintura, para não destoar da clientela.

Mas eu falava do caráter utilitário da obra, e o nosso bom Lalas nem chega a protestar demasiado quando o acuso de entrar nessa apenas e tão-somente para incrementar a quantidade de bucetas que tem perfurado em sua caminhada pelos nobres ofícios de sommelier e restaurateur. Convenhamos: para o macho que, à mesa, prefere antes comportar-se como o Obélix, a cozinha vegana soará a sacrilégio. Mas não é sacrifício muito diferente do sushi de quinoa no molho de miso e gergelim, que o macho-alfa suporta com estoicismo pela só promessa que o ritual enseja de, dali a uma hora, ele próprio estar com os cornos enterrados até os malares na xavasca da acompanhante.

É de rigor, no entanto, uma advertência de quem dessas cousas conhece um pouco. Nem vos falo da consistência da matéria fecal, mas esses ingredientes todos que ali abundam — leites de castanha e de macadâmia, pesto de pistache, a pletora de pratos com shitakes desidratados — costumam desenvolver gases horrendos na comensal. Portanto, se a idéia for cu, é melhor foder antes e comer depois.

Tudo isso deviam ser conselhos despiciendos. E seriam, não fosse o visível e progressivo aviltamento de todas as nossas habilidades, da sacanagem ao futebol, passando pela teledramaturgia. Pois, em matéria de foda, o ideal mesmo sempre foi o vivente consumir-se em heróicas exações antes das refeições, sob pena de ter uma congestão ou um enfarto e morrer — ou ainda, no cenário mais extremo, broxar. É só depois de arrebentar os entrefolhos à mulher amada que o homem civilizado deveria sentar-se à mesa para comer um bom bife. O ensinamento, pelo muito que tem de civilizatório, bem poderia ser de Norbert Elias. Mas é de Roberto Fontanarrosa, em El mundo ha vivido equivocado. Nisso como em tudo o mais.

Bom apetite e boas fodas. Mas, por favor, não nessa ordem.

18 setembro 2015

NABOKOV NUMA HORA DESSAS



Certa feita, um crítico pederasta (passe a redundância) resolveu acusar Vladimir Vladimirovich Nabokov de pornógrafo. Corriam os anos cinqüenta, e Lolita acabava de sair do prelo. A crônica da época, como se sabe, era tão pederasta quanto a crítica (sobretudo n’América, essa gorda ressentida). Talvez por isso, não registra se o genial peterburguês mandou, como é verossímil, o crítico ir tomar na peida. Registra, isso sim, que o nosso inefável caçador de borboletas, já decerto gordo e careca e com as mãos cobertas de calos, destruiu o libelo do crítico com uma argumentação de quem conhece tudo de literatura e ainda mais de sacanagem. Pornografia, explicou Nabokov, exige necessariamente um crescendo. Começa com beijinhos ao pescoço para terminar, via de regra, com oito crioulos e uma zebra a alternar-se no mister de esporrar furiosamente nos cornos da heroína da história. (PITZER, Andrea. The secret history of Vladimir Nabokov. Nova York: Pegasus Books, 2014.)



Ora, caralhos lha fodam, com um mínimo de honestidade intelectual, nenhum padrão semelhante pode discernir-se em Lolita. No livro, a sacanagem que há está justamente no começo! De Annabel Leigh segurando a rôla do protagonista (I was a child and she was a child, / in this kingdom by the sea, justificaria um outro pedófilo — e atenção, literatas fudecas, à intertextualidade) a Dolores Haze esfregando-se na mesma rôla, já envelhecida e gasta pelo uso, mal transcorreram cinqüenta páginas. Daí à meteção à vera haverá outras trinta. Depois disso, e entrementes, o que há é superior literatura (, caralho). Onde a gradação, onde o crescendo, onde os oito crioulos e a zebra (, buceta)?



Quatorze anos depois, a mesma escusa haveria de absolver Ada or Ardor: o ponto culminante da história, no que respeita à sacanagem, está no meio exato do livro, quando o protagonista vai à zona e lá arrebenta os entrefolhos a um moçoilo adolescente, e ao retirar o jonjolo encontra-o tristemente decorado numa mistura perfeitamente broxante de sangue, mostarda e merda (“sintomas disentéricos muito pouco apetitosos a revestir a pra-te-leva do amante”, em tradução livre nossa). Ora, muito bem, se no meio do livro já chegamos à escatologia, é absolutamente impossível que, nas trezentas páginas restantes, se observe a necessária gradação característica da pornografia. Nem se chamarmos a zebra (“ou a vaca, ou a bicicleta”, acrescentaria o próprio autor). Portanto pornografia não é.



A tudo isso, assim humilhado e assim ofendido, que mais poderia dizer o crítico analfabeto em literatura e em pornografia? Talvez apenas responder, qual Caetano Veloso diante das obras completas da Leandro de Itaquera, que ali abunda e viceja o mau gosto, mau gosto, mau gosto, mau gosto. Orville Prescott, do alto de sua tribuna no New York Times, admitiu ser o autor um cavalheiro de “habilidades esplêndidas”, mas “completamente corrompido”: “ele a um só tempo brilha e fede, como uma cavala podre ao luar” (a crítica especializada tem hor-ror a tudo o que exale odores marinhos). Outros ainda reviraram os olhinhos de nojo diante das metáforas gros-sei-ras que Nabokov utilizara para uma caralha hirta (“o cetro de minha paixão”) e uns juvenis entrefolhos em flor (“uma rosa castanha”).



Longe de mim comparar-me a Nabokov, que fique bem entendido. Faltar-me-iam, para isso, esse mínimo de engenho e arte imprescindíveis para que o simples cotejo entre um e outro não fosse recebido com um álacre alarido de apupos e guinchos da crítica e do público alfabetizado brasileiros (todos os cem). Nem sou homem de circunlóquios. Uma xavasca é uma xavasca é uma xavasca. Mas ouso crer que as reflexões do mestre sobre a natureza da pornografia são o quanto basta para mandar ao caralho todo leitor agredido e ofendido que me acuse, também a mim, de pornógrafo. Aqui não há crescendo, aqui não há gradação. Por questões de estilo e de convicção, a minha filosofia sempre foi oposta à do português que reluta em contar, a uma roda de senhoras, uma piada que começa levinha, mas que depois vai ficar pesada (“era uma vez um chupador de bucetas que...”).



Sei bem que nada disso terá a menor importância, nos tempos que correm. Não tivesse ele também o seu quinhão de culpa pelo estado atual do nosso Brasil, Luís Fernando Veríssimo haveria de concordar comigo e parafrasear-se a si próprio (“literatura numa hora dessas?”). Mas, enquanto todos nós esperamos que quem de direito se digne finalmente mandar a excelentíssima senhora Presidente da República ir tomar na peida, a literatura e a sacanagem permanecem distrações tão válidas quanto o arremedo de esporte bretão que ainda se pratica no Brasil. Enquanto espero, estou relendo meu Nabokov. E faço fé em que o desenrolar do processo político não me dará tempo de, encerrado o Nabokov, ter de ir procurar sacanagem noutras obras do meu próprio cânone pessoal de autores que apreciam buceta (seguintes na lista: a passagem em que um dos Aurelianos Buendía faz de tudo para comer a própria tia Remédios [ou era Milagres?], e as muitas referências desconcertantes de Machado de Assis a braços desnudos de mulheres casadas, todas elas escritas apenas com a mão esquerda, que a direita se entretinha em labores outros).

06 maio 2015

DA VIDA SEXUAL DAS SUBCELEBRIDADES. CAPÍTULO DOIS: SIMONY GALASSO.

O leitor amigo anuirá gravemente, enquanto torna a mergulhar o sushi de quinoa no molho de miso e gergelim, se eu asseverar que a Internet é uma fonte de horrendas distrações, que no mais das vezes tornam impossível nos dedicarmos a sério a qualquer cousa de mais elevado. Concordará, decerto, pensando n’algum vídeo retrô dos Menudos pré-adolescentes a velejar em camisetas sem manga e de shortinho, as pernocas glabras à mostra, e enjeitando enfastiado a nova tradução de Morte em Veneza que comprou na Argumento do Leblon (indicação de Manoel Carlos). Eu mesmo já relatei, alhures, minha suprema indecisão quando confrontado, no mesmo dia, com uma gravação completa e gratuita da Vigília Noturna de Rachmaninoff e com a reprodução igualmente completa e igualmente gratuita do clássico Debbie does Dallas  (mormente, permiti-me precisar na ocasião, a cena em que um desses heróis anônimos daquela indústria vital perfura o cu escuro e sujo da srta. Jenny Cole).

Entre les deux mon cœur balance, sentenciará o leitor, com uma piscadela cúmplice e uma pausa quase imperceptível entre o mon e o cœur, como que a buscar o meu endosso à equivalência que afinal se estabeleceu — malgré moi, acrescentará, sempre na língua de Gide — entre Mann e Ricky Martin, de um lado, e Rachmaninoff e Bambi Woods, de outro.

Toda esta conversa-mole vem à guisa de introdução para o que se segue: ontem, quando eu me preparava para retomar a minha própria tradução, do latim, das Confissões de Santo Agostinho, fui interrompido da maneira mais descortês por uns leitores que, mais que implorar, exigiam um pronunciamento meu sobre matéria publicada no Ego, um site dedicado a escancarar vidas e xavascas de subcelebridades.

A matéria em questão trata, como o amigo leitor nunca viu e preferia aliás não saber, das intimidades conjugais da ex-cantora e ex-gorda Simony Galasso com o engenheiro (o site qualifica-o assim) Patrick Silva. Simony, se puxarmos bem pela memória, era a única fêmea no foursome infantil Balão Mágico, que em vão assegurava, lá se vão três décadas, que somos amigos, amigos, amigos — o telespectador atento já percebia que ali, malgrado a tenra idade dos participantes, tinha de haver sacanagem: as bolsas de apostas limitavam-se a especular sobre se quem comia o cu à saltitante Simony era o filho do bandido, o filho do Jair Rodrigues, o bestial Fofão (hipótese que eu à época favorecia) ou o perfeitamente inútil Toby ( Vímerson). Como esse material humano justificasse poucas punhetas, mesmo entre os coetâneos de Simony, a Globo acabou substituindo o programa pelo muito mais proveitoso Xou da Xuxa, duplicando a audiência nesse processo (os senhores pais, afinal de contas, tomaram-se de interesse súbito pelos hábitos televisivos dos filhos, e foram recompensados com farto material para punhetas não apenas na srta. Meneghel, mas também em suas Paquitas — sobretudo a Andréa Sorvetão e a Pituxa Pastel [a Miúxa não] — e, se fôlego restasse, também na Cheetara, na She-Ra e na Smurfette).

Simony, entrementes, caiu no mais sólido anonimato, de onde debalde buscou sair, a partir de fins dos noventa, fazendo-se periodicamente emprenhar por presidiários. Passaram-se outros quinze anos, e eis que a já balzaquiana subcelebridade reaparece, diante de nossas barbas perplexas, confessando-se ex-gorda e casada com um colega engenheiro, e no pleno exercício do pátrio poder sobre uma caralhada de crianças ranhentas com ípsilon no nome. Mais: sem demasiados circunlóquios, diz que, desde que perdeu 25 quilos, passou a foder “em todas as posições” com o engenheiro (palavras textuais suas); que seu macho passou a dar-lhe surras de piroca históricas (paráfrase minha); que os dois apreciam tanto quanto eu ver filmes de sacanagem (não elaborou a respeito, de modo que ficamos sem saber se o casal favorece obras com gang bang, A2M e espôrros faciais ); e, por fim, que “nunca gostou” de sexo grupal (decerto buscando, com isso, dissipar de uma vez os rumores irresponsáveis sobre a real natureza de seu relacionamento com Jairzinho, Mike, Toby e Fofão — ao que eu, espírito de porco que sou, me permito chamar a vossa atenção para a formulação um tanto equívoca: “nunca gostei”).

Tudo isso, vindo de quem vem, me pareceria perfeitamente natural e até escusável, não fossem três pequeníssimos detalhes que a peralta Simony deixa transcender quase que sem querer: a folhas tantas de sua confissão (digo folhas e não sei se o pasquim de fato existe em forma impressa, para limpar as manchas de esperma do azulejo do banheiro onde se lê essa merda) — a folhas tantas, dizia, Simony deixa claro que o engenheiro é fissurado em cu (“ele ama meu bumbum”); que, enquanto a sodomiza brutalmente, as bolas a fazer tlec-tlec-tlec nas nádegas, admira-lhe a musculatura rija (“ele adora brincar com meus novos músculos”); e, por fim, que o que nela não aprecia de jeito nenhum são as tetas a balangar ao sabor da foda (“ele acha que está excessivo”).

Como se nada disso bastasse, há ainda um quarto elemento a merecer a nossa censura mais enfática e inapelável: enquanto a fode, o engenheiro Silva canta obras de um desses sambistas que desde sempre (ou desde Jair Rodrigues Jr.) fizeram a cabeça e umedeceram a xavasca à inefável Simony. Quer-me parecer que, não sendo ele próprio sambista, o procedimento revela uma propensão perigosa à cornitude. Mas passemos ao largo desse detalhe pitoresco e concentremo-nos no quadro que as confissões de Simony nos permitem compor: o sujeito gosta de cu (o que é louvável), mas se e somente se o parceiro tiver pernas, braços e abdômen torneados, e de preferência peitos nenhuns (o que não é).

Os senhores tirarão disso tudo as conclusões que quiserem. Eu, de minha parte, estou encaminhando esse material ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, para as providências cabíveis.

15 janeiro 2015

PUNHETA PÓSTUMA PARA ANITA (OU: "FODENDO EM BRANCO E PRETO")



Eu queria comer uma mulher em branco e preto. 


A estudante de Belas Artes, o crítico de cinema, o leitor do caderno de cultura d’O Globo e da Ilustrada da Folha, os senhores Rubens Ewald Filho, Vladimir Safatle e Milton Hatoum bem fariam em deixar pender para um lado (o esquerdo) a trosoba alheia, triste e mole, que tentam ressuscitar à força de brutos chupões e prestar a atenção devida a esta minha confissão, que eu não vou explicar de novo (, caralho): É a mulher, não a foda, que é em branco e preto.


Digo isso enquanto sopeso a verdade última encerrada no juízo definitivo do acadêmico Jaguar sobre esta nossa passagem por este vale de lágrimas e sumos vaginais (“assim é a vida: uma bosta”). Verdade sentenciada, no caso dele, em protesto pelo fechamento da Uisqueria Bico Doce, no Beco das Cancelas, entre a Rua do Rosário e a Rua Buenos Aires, ao lado dum estabelecimento prostibular que anunciava “promoção: caldo verde + strip tease: R$ 10” (isso o Jaguar não referiu). E relembrada, no meu caso, pelo triste passamento da mais longeva musa de punhetas de que se tem notícia: a sueca Anita Ekberg. Isso, recorde-se, numa semana já bastante pródiga em notícia merda (Je suis Charlie. Será que ele é Maomé?).


Saramago certa feita disse que a velhice é sentir como uma perda irreparável o acabar de cada dia. Eu cá suspeito que o portuga, em seus anos derradeiros, escreveu demais e tocou punhetas de menos. A velhice, meus amigos, é a punheta retrospectiva. Começa quando o sujeito passa a esganar a rôla pensando não nas vadias de hoje, nas vadias vigentes, mas nas vagabundas de outrora, nas que comeu ou quis comer na sua juventude, em toda a exuberância de peitos, peida e pentelhos perfeitamente anacrônicos (sobretudo os últimos, que já quase não se usam). E, ao rememorar as fodas havidas ou frustradas, o pobre-diabo sente por uns minutos (não mais que cinco) a onipotência de quem se vinga da vingança do tempo (que le hace ver deshecho lo que uno amó — Discépolo) e desafia até o Código Penal (na punheta retrospectiva, fodem-se até menores púberes, eis que o fodedor, na sua fantasia, também ele tem treze, quatorze anos [a velhice é a punheta com enredo]).


O leitor de vinte-e-poucos (anos, não centímetros) que laboriosamente vai pinçando um por um os cutelhos para não destoar dos companheiros de rave não perceberá a profundidade destas minhas reflexões, nem a justiça de certas homenagens, ainda que póstumas, à Anita Ekberg, entretido que anda com homenagens outras ao Matheus Solano, ao Caio Castro, ao centroavante Fred ou ao zagueiro Thiago Silva. Não perceberá, talvez, por ter-se acostumado a um ideal de mulheres perfeitamente anti-sépticas, sem as tetas ubérrimas, absolutamente pornográficas da Anita, sem a opulência de pentelhos crespos que decerto povoavam as cercanias e lonjuras duma xavasca majestosa, que eu imaginava pontilhada de romanas gotículas da mesma fonte onde a srta. Ekberg — estou certo disso — gargarejou depois de saciar o nosso herói Mastroianni, para tirar o gosto ruim (ou assim me assegura a Danusia Barbara).


No princípio foi a Anita. Depois vieram Sophia Loren, Claudia Cardinale, Ornella Mutti, a retardada fudeca do Amarcord, Valeria Ciangottini (perdoa-me, padre) e as outras, não italianas (mas não por isso menos putas), Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, Sophie Marceau, e as suecas — de todas as mais putas, nem trezentos anos de catolicismo à vera —, Bibi Andersson, Britt Ekland, Ingrid Bergman. E Anita Ekberg.


O amigo leitor não me entenda mal: não serei eu, justo eu, a revirar os olhinhos, alisar a borda do roupão púrpura com o polegar e o indicador e sentenciar, dorso da mão na cintura, que mulheres eram as de antes. A Marina Ruy Barbosa querendo, estou a postos para dar-lhe beijinhos no umbigo (por dentro). Mas o público heterossexual deste nosso Brasil (todos os cem) há de convir comigo que havia um quê de tocante em tetas, peidas e xavascas como as do cinema europeu dos anos sessenta — algo que falava a algum instinto primevo nosso e nos fazia querer sair por aí a perfurar rachas e arrebentar entrefolhos desregradamente. Sem medo de passar a semana seguinte a regurgitar pentelhos.


E, se concorda comigo, talvez já ache um pouco menos insólita a tara que me aflige desde que vi a Judy Garland adolescente, peitinhos em riste e vestidinho de chita, a cantar sobre um lugar onde the dreams that you dare to dream really do come true. Como o de comer uma mulher em branco e preto.


02 outubro 2014

DA VIDA SEXUAL NO CANGAÇO



Mocetões: esta manhã, enquanto eu perscrutava, com olhar de proctologista, as fotos do cu da arqueira ianque Hope Solo (parênteses: ¡viva o desporto feminino!, ou algum dos senhores acharia graça em fotos do lorto do goleiro Cássio, do Curíntia, que reputo, talvez, quase tão feio quanto seus cornos?) — enquanto eu perscrutava as tais fotos, dis-je, deparei-me com uma dessas notícias que, quase tanto quanto comentário de leitor em site de jornal, dão a medida justa de nossa miséria. Segundo me informa o site da Veja, está no prelo, obra dum juiz aposentado, uma biografia do delinqüente Lampião onde se sustenta que o famoso Rei do Cangaço apreciava mesmo era uma trosoba hirta e cheia de espinhos (à maneira das cactáceas de sua caatinga natal) a magoar-lhe furiosamente os entrefolhos, mais do que já estaria magoado pelos restalhos duma dieta a base de bodes e carcarás.

Mais: a notícia dá conta de que uma popular resolveu entrar em juízo para impedir a publicação da obra, movida talvez por essa tendência que viceja entre nós de tratar bandido como prócer, e de achar que obra nenhuma pode tirar os próceres de seus pedestais.

Ora, muito bem. Duas cousas me estarrecem nessa patacoada: (1) que alguém, não sendo descendente direto do bandido, ou mesmo sendo-o, foda-se, tenha legitimidade ativa para propor uma ação dessas (e reparem que nem chego a discutir o mérito da causa); e (2) que qualquer um (e creio-me insuspeito de fazer apologia de bandido) possa questionar a heterossexualidade dum sujeito que tinha pica e estômago para comer a Maria Bonita. Ora, caralhos ma fodam, comer a Marina Ruy Barbosa ou a Emma Watson qualquer um come — até viado, sem demasiadas demonstrações de nojo. O verdadeiro teste de masculinidade, a verdadeira audição para o papel de Groo, o Errante, está no encarar uma fêmea do quilate justamente da Maria Bonita ou da Miriam Leitão.

Aliás, há uma terceira cousa a embasbacar-me nesse episódio: que haja, no Brasil, público para ler (nem falemos de autores para escrever) uma obra de 300 páginas sobre a vida sexual dum bandido feio pra caralho com uma fêmea idem e outras duas dezenas de machos com os mesmos predicados. Seria de perder o sono imaginar que o Dr. Pedro de Morais, autor da obra, even as we speak, pode estar tratando do licenciamento da versão cinematográfica (em breve num cinema perto de você).

Ah, sim, antes que eu me esqueça: cada povo tem a Bonnie and Clyde que merece.