RECONHECIMENTO TARDIO
Certa feita, quando
este autor andava pela casa dos vinte-e-poucos (anos, não centímetros) e não
conhecia a xavasca importada senão das revistinhas dinamarquesas que folheara,
na infância profunda, nas aulas de catequese do Colégio São Bento, resolveu fazer
uma degustação tão ampla quanto variegada do produto onde se o achava com mais
disponibilidade. O leitor sofisticado fará um muxoxo de nojo, enquanto limpa o
jato de esperma das sobrancelhas, a qualquer sugestão de que esse idílico Epcot
Center das xoxotas esteja em Nova York ou qualquer outro grande centro do melting pot americano. Parbleu!, dirá, sentando meio torto na ottomane que lhe decora a alcova, antes
de explicar que o local ideal para empreitadas gastronômicas desse porte é,
naturalmente, Florença.
E, com efeito, em
nenhuma outra cidade da Terra haverá tamanha profusão da espécie mais fodeca de
tantas em quantas se dividirá o gênero feminino: a estudante de arte. De modo
que de lá voltei com a caralha meio gasta, mas saciada da sova de xavascas
fulvas, ruivas e transversas que levou, pobrezinha, de moçoilas escandinavas,
americanas e japonesas (respectivamente).
No vôo de volta, sentou-se ao meu
lado um rapazinho evidentemente pederasta, que aparentemente fizera o mesmo
trajeto com ambições puramente intelectuais. Falou-me da Uffizi e dos perobos renascentistas que se alternavam entre pintar
matronas incomíveis e esculpir florentinas trosobas tristes (e moles), e fê-lo
com a afetação que era lícito esperar dum representante de seu grêmio. Quando,
algo tímido, insinuei que percorrer todo o museu numa tarde se me revelara
programa cansativo, o rapazola sentenciou-me em tom superior, com o
indefectível dorso da mão na cintura:
— Isso é porque você
não é como eu, um apaixonado pela arte.
Estas reminiscências
vêm a troco do artigo Arte Séria,
publicado pelo sr. Alexandre Soares da Silva na edição deste mês da revista Alfa (com a bucetuda Sabrina Sato na
capa). No texto, o autor desenvolve mais ou menos o mesmo ponto que eu, ao
obtemperar que "é preciso desconfiar dessa gente que vive fazendo loas à
Alta Cultura" e que "declarar amor à Alta Cultura é como declarar
amor à Justiça e aos bons sentimentos: a marca dos canalhas". Desenvolve-o, no entanto, sem jamais ir ao âmago da questão: além de canalhas, é coisa de quem
aprecia mesmo é uma sólida pra-te-leva pulsante a magoar-lhe furiosamente as
paredes do intestino grosso e, quiçá, do delgado.
Mas não pretendo
abusar da paciência do leitor com um libelo contra a alta cultura ou, mais
exatamente, contra essa raça vil que não resiste a declarar seu amor por cousas mais elevadas a qualquer cristão que
lhes conceda trinta segundos de atenção imerecida. Não: se hoje abandono a
gravação que fiz da Fátima Bernardes de rabo-de-cavalo em Encontro — gravação que guardei para inspirar-me imaginando
serventias que eu daria para o dito rabo-de-cavalo enquanto diria cousas porcas
à MILF quintessencial da televisão brasileira —, e se hoje torno a incomodar o
público leitor, é apenas para assinalar que a mesma reportagem, à página 50,
dedica um espaço a este vosso criado na Pequena
lista de coisas que realmente importam agora, onde figuro ao lado de
ninguém menos que Mario Benedetti e — estranhamente, para quem decerto leu
minhas ponderações sobre a Baitolagem emQuadrinhos — de um site dedicado a gibis da Marvel.
Faço votos de que o
reconhecimento tardio a este que o sr. Soares Silva qualifica como "um dos
melhores escritores vivos da língua portuguesa" incremente
substancialmente a quantidade de cus de jornalistas que tenho logrado perfurar neste
meu magistério. Cus femininos, esclareço, para pôr fim à algazarrinha prematura
dos que se deixam emocionar por substantivos comuns-de-dois-gêneros. Caralho.