OLAVO PASCUCCI

O pensamento vivo, hirto e pulsante do engenheiro Olavo Pascucci.

18 setembro 2015

NABOKOV NUMA HORA DESSAS



Certa feita, um crítico pederasta (passe a redundância) resolveu acusar Vladimir Vladimirovich Nabokov de pornógrafo. Corriam os anos cinqüenta, e Lolita acabava de sair do prelo. A crônica da época, como se sabe, era tão pederasta quanto a crítica (sobretudo n’América, essa gorda ressentida). Talvez por isso, não registra se o genial peterburguês mandou, como é verossímil, o crítico ir tomar na peida. Registra, isso sim, que o nosso inefável caçador de borboletas, já decerto gordo e careca e com as mãos cobertas de calos, destruiu o libelo do crítico com uma argumentação de quem conhece tudo de literatura e ainda mais de sacanagem. Pornografia, explicou Nabokov, exige necessariamente um crescendo. Começa com beijinhos ao pescoço para terminar, via de regra, com oito crioulos e uma zebra a alternar-se no mister de esporrar furiosamente nos cornos da heroína da história. (PITZER, Andrea. The secret history of Vladimir Nabokov. Nova York: Pegasus Books, 2014.)



Ora, caralhos lha fodam, com um mínimo de honestidade intelectual, nenhum padrão semelhante pode discernir-se em Lolita. No livro, a sacanagem que há está justamente no começo! De Annabel Leigh segurando a rôla do protagonista (I was a child and she was a child, / in this kingdom by the sea, justificaria um outro pedófilo — e atenção, literatas fudecas, à intertextualidade) a Dolores Haze esfregando-se na mesma rôla, já envelhecida e gasta pelo uso, mal transcorreram cinqüenta páginas. Daí à meteção à vera haverá outras trinta. Depois disso, e entrementes, o que há é superior literatura (, caralho). Onde a gradação, onde o crescendo, onde os oito crioulos e a zebra (, buceta)?



Quatorze anos depois, a mesma escusa haveria de absolver Ada or Ardor: o ponto culminante da história, no que respeita à sacanagem, está no meio exato do livro, quando o protagonista vai à zona e lá arrebenta os entrefolhos a um moçoilo adolescente, e ao retirar o jonjolo encontra-o tristemente decorado numa mistura perfeitamente broxante de sangue, mostarda e merda (“sintomas disentéricos muito pouco apetitosos a revestir a pra-te-leva do amante”, em tradução livre nossa). Ora, muito bem, se no meio do livro já chegamos à escatologia, é absolutamente impossível que, nas trezentas páginas restantes, se observe a necessária gradação característica da pornografia. Nem se chamarmos a zebra (“ou a vaca, ou a bicicleta”, acrescentaria o próprio autor). Portanto pornografia não é.



A tudo isso, assim humilhado e assim ofendido, que mais poderia dizer o crítico analfabeto em literatura e em pornografia? Talvez apenas responder, qual Caetano Veloso diante das obras completas da Leandro de Itaquera, que ali abunda e viceja o mau gosto, mau gosto, mau gosto, mau gosto. Orville Prescott, do alto de sua tribuna no New York Times, admitiu ser o autor um cavalheiro de “habilidades esplêndidas”, mas “completamente corrompido”: “ele a um só tempo brilha e fede, como uma cavala podre ao luar” (a crítica especializada tem hor-ror a tudo o que exale odores marinhos). Outros ainda reviraram os olhinhos de nojo diante das metáforas gros-sei-ras que Nabokov utilizara para uma caralha hirta (“o cetro de minha paixão”) e uns juvenis entrefolhos em flor (“uma rosa castanha”).



Longe de mim comparar-me a Nabokov, que fique bem entendido. Faltar-me-iam, para isso, esse mínimo de engenho e arte imprescindíveis para que o simples cotejo entre um e outro não fosse recebido com um álacre alarido de apupos e guinchos da crítica e do público alfabetizado brasileiros (todos os cem). Nem sou homem de circunlóquios. Uma xavasca é uma xavasca é uma xavasca. Mas ouso crer que as reflexões do mestre sobre a natureza da pornografia são o quanto basta para mandar ao caralho todo leitor agredido e ofendido que me acuse, também a mim, de pornógrafo. Aqui não há crescendo, aqui não há gradação. Por questões de estilo e de convicção, a minha filosofia sempre foi oposta à do português que reluta em contar, a uma roda de senhoras, uma piada que começa levinha, mas que depois vai ficar pesada (“era uma vez um chupador de bucetas que...”).



Sei bem que nada disso terá a menor importância, nos tempos que correm. Não tivesse ele também o seu quinhão de culpa pelo estado atual do nosso Brasil, Luís Fernando Veríssimo haveria de concordar comigo e parafrasear-se a si próprio (“literatura numa hora dessas?”). Mas, enquanto todos nós esperamos que quem de direito se digne finalmente mandar a excelentíssima senhora Presidente da República ir tomar na peida, a literatura e a sacanagem permanecem distrações tão válidas quanto o arremedo de esporte bretão que ainda se pratica no Brasil. Enquanto espero, estou relendo meu Nabokov. E faço fé em que o desenrolar do processo político não me dará tempo de, encerrado o Nabokov, ter de ir procurar sacanagem noutras obras do meu próprio cânone pessoal de autores que apreciam buceta (seguintes na lista: a passagem em que um dos Aurelianos Buendía faz de tudo para comer a própria tia Remédios [ou era Milagres?], e as muitas referências desconcertantes de Machado de Assis a braços desnudos de mulheres casadas, todas elas escritas apenas com a mão esquerda, que a direita se entretinha em labores outros).

4 Comments:

Anonymous Adroaldo Pascucci said...

Nem só de sacanagem vive e trata o engenheiro, mas também e sobretudo de erudição, mordam-se de inveja os críticos pederastas que tomaram conta dos segundos cadernos, caralhos os fodam até a ruptura final da prega-rainha, amém.

14:35  
Blogger Salvatore said...

Olavo Pascucci é, sem dúvida, o Machado de Assis da putaria (que não se confunde com pornografia).

14:32  
Anonymous Anônimo said...

Prezado Engenheiro,

Tenho que confessar que larguei um peido molhado de tanto rir quando o Senhor mencionou que a pornografia costuma revelar-se quando há um crescendo que termina com "oito crioulos e uma zebra". Não obstante esse prazer duplo (a risada e o que a acompanhou), venho notando que o Senhor deixa de tocar em tema mui sensível nos dias de hoje.

Pergunto, a senhora sua mãe era autoritária? Mandava no senhor seu pai? Se não era assim, e espero que não fosse mesmo, gostaria de sugerir que o Senhor versasse sobre a ameaça que paira sobre todos os portadores de uma caralha. Não sei se te ocorre, mas igualdade é o início da dominação (vide burgueses e nobres). E ser dominado por mulher é algo que deve preocupar qualquer sacudo digno do nome.

Com isso, convido-o a pronunciar-se sobre o feminicídio, o uso da expressão ele/ela, as cotas para mulheres em nosso douto parlamento, dentre outros temas que estão a pôr meus cuelhos de pé.

18:55  
Blogger Nélio Oliveira said...

Mestre Olavo, morreu Miele, eminente boêmio e putanheiro. Merece algumas palavras da sua lavra...

18:54  

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