PUNHETA PÓSTUMA PARA ANITA (OU: "FODENDO EM BRANCO E PRETO")
Eu queria comer uma mulher em
branco e preto.
A estudante de Belas Artes, o
crítico de cinema, o leitor do caderno de cultura d’O Globo e da Ilustrada da Folha, os senhores Rubens
Ewald Filho, Vladimir Safatle e Milton Hatoum bem fariam em deixar pender para
um lado (o esquerdo) a trosoba alheia, triste e mole, que tentam ressuscitar à
força de brutos chupões e prestar a atenção devida a esta minha confissão, que
eu não vou explicar de novo (, caralho): É a mulher, não a foda, que é em
branco e preto.
Digo isso enquanto sopeso a
verdade última encerrada no juízo definitivo do acadêmico
Jaguar sobre esta nossa passagem por este vale de lágrimas e sumos vaginais (“assim é a vida: uma bosta”).
Verdade sentenciada, no caso dele, em protesto pelo fechamento da Uisqueria
Bico Doce, no Beco das Cancelas, entre a Rua do Rosário e a Rua Buenos Aires,
ao lado dum estabelecimento prostibular que anunciava “promoção: caldo verde +
strip tease: R$ 10” (isso o Jaguar não referiu). E relembrada, no meu caso,
pelo triste passamento da mais longeva musa de punhetas de que se tem notícia:
a sueca Anita Ekberg.
Isso, recorde-se, numa semana já bastante pródiga em notícia merda (Je suis Charlie. Será que ele é Maomé?).
Saramago certa feita disse que a
velhice é sentir como uma perda irreparável o acabar de cada dia. Eu cá
suspeito que o portuga, em seus anos derradeiros, escreveu demais e tocou
punhetas de menos. A velhice, meus amigos, é a punheta retrospectiva. Começa
quando o sujeito passa a esganar a rôla pensando não nas vadias de hoje, nas
vadias vigentes, mas nas vagabundas de outrora, nas que comeu ou quis comer na
sua juventude, em toda a exuberância de peitos, peida e pentelhos perfeitamente
anacrônicos (sobretudo os últimos, que já quase não se usam).
E, ao rememorar as fodas havidas ou frustradas, o pobre-diabo sente por uns
minutos (não mais que cinco) a onipotência de quem se vinga da vingança do
tempo (que le hace ver deshecho lo que
uno amó — Discépolo) e desafia até o Código Penal (na punheta
retrospectiva, fodem-se até menores púberes, eis que o fodedor, na sua
fantasia, também ele tem treze, quatorze anos [a velhice é a punheta com
enredo]).
O leitor de vinte-e-poucos (anos,
não centímetros) que laboriosamente vai pinçando um por um os cutelhos para não
destoar dos companheiros de rave não
perceberá a profundidade destas minhas reflexões, nem a justiça de certas
homenagens, ainda que póstumas, à Anita Ekberg, entretido que anda com
homenagens outras ao Matheus Solano, ao Caio Castro, ao centroavante Fred ou ao
zagueiro Thiago Silva. Não perceberá, talvez, por ter-se acostumado a um ideal
de mulheres perfeitamente anti-sépticas, sem as tetas ubérrimas, absolutamente
pornográficas da Anita, sem a opulência de pentelhos crespos que decerto povoavam
as cercanias e lonjuras duma xavasca majestosa, que eu imaginava pontilhada de romanas
gotículas da mesma fonte onde a srta. Ekberg — estou certo disso — gargarejou
depois de saciar o nosso herói Mastroianni, para tirar o gosto ruim (ou assim
me assegura a Danusia Barbara).
No princípio foi a Anita. Depois
vieram Sophia Loren, Claudia Cardinale,
Ornella Mutti, a retardada fudeca do Amarcord,
Valeria Ciangottini (perdoa-me,
padre) e as outras, não italianas (mas não por isso menos putas), Brigitte
Bardot, Catherine Deneuve, Sophie Marceau, e as suecas — de todas as mais
putas, nem trezentos anos de catolicismo à vera —, Bibi Andersson, Britt
Ekland, Ingrid Bergman.
E Anita Ekberg.
O amigo leitor não me entenda
mal: não serei eu, justo eu, a revirar os olhinhos, alisar a borda do roupão
púrpura com o polegar e o indicador e sentenciar, dorso da mão na cintura, que mulheres eram as de antes. A Marina Ruy Barbosa
querendo, estou a postos para dar-lhe beijinhos no umbigo (por dentro). Mas o
público heterossexual deste nosso Brasil (todos os cem) há de convir comigo que
havia um quê de tocante em tetas, peidas e xavascas como as do cinema europeu
dos anos sessenta — algo que falava a algum instinto primevo nosso e nos fazia
querer sair por aí a perfurar rachas e arrebentar entrefolhos desregradamente. Sem
medo de passar a semana seguinte a regurgitar pentelhos.
E, se concorda comigo, talvez já ache
um pouco menos insólita a tara que me aflige desde que vi a Judy Garland adolescente,
peitinhos em riste e vestidinho de chita, a cantar sobre um lugar onde the dreams that you dare to dream really do come true. Como o de comer uma mulher em branco e preto.