OLAVO PASCUCCI

O pensamento vivo, hirto e pulsante do engenheiro Olavo Pascucci.

15 janeiro 2015

PUNHETA PÓSTUMA PARA ANITA (OU: "FODENDO EM BRANCO E PRETO")



Eu queria comer uma mulher em branco e preto. 


A estudante de Belas Artes, o crítico de cinema, o leitor do caderno de cultura d’O Globo e da Ilustrada da Folha, os senhores Rubens Ewald Filho, Vladimir Safatle e Milton Hatoum bem fariam em deixar pender para um lado (o esquerdo) a trosoba alheia, triste e mole, que tentam ressuscitar à força de brutos chupões e prestar a atenção devida a esta minha confissão, que eu não vou explicar de novo (, caralho): É a mulher, não a foda, que é em branco e preto.


Digo isso enquanto sopeso a verdade última encerrada no juízo definitivo do acadêmico Jaguar sobre esta nossa passagem por este vale de lágrimas e sumos vaginais (“assim é a vida: uma bosta”). Verdade sentenciada, no caso dele, em protesto pelo fechamento da Uisqueria Bico Doce, no Beco das Cancelas, entre a Rua do Rosário e a Rua Buenos Aires, ao lado dum estabelecimento prostibular que anunciava “promoção: caldo verde + strip tease: R$ 10” (isso o Jaguar não referiu). E relembrada, no meu caso, pelo triste passamento da mais longeva musa de punhetas de que se tem notícia: a sueca Anita Ekberg. Isso, recorde-se, numa semana já bastante pródiga em notícia merda (Je suis Charlie. Será que ele é Maomé?).


Saramago certa feita disse que a velhice é sentir como uma perda irreparável o acabar de cada dia. Eu cá suspeito que o portuga, em seus anos derradeiros, escreveu demais e tocou punhetas de menos. A velhice, meus amigos, é a punheta retrospectiva. Começa quando o sujeito passa a esganar a rôla pensando não nas vadias de hoje, nas vadias vigentes, mas nas vagabundas de outrora, nas que comeu ou quis comer na sua juventude, em toda a exuberância de peitos, peida e pentelhos perfeitamente anacrônicos (sobretudo os últimos, que já quase não se usam). E, ao rememorar as fodas havidas ou frustradas, o pobre-diabo sente por uns minutos (não mais que cinco) a onipotência de quem se vinga da vingança do tempo (que le hace ver deshecho lo que uno amó — Discépolo) e desafia até o Código Penal (na punheta retrospectiva, fodem-se até menores púberes, eis que o fodedor, na sua fantasia, também ele tem treze, quatorze anos [a velhice é a punheta com enredo]).


O leitor de vinte-e-poucos (anos, não centímetros) que laboriosamente vai pinçando um por um os cutelhos para não destoar dos companheiros de rave não perceberá a profundidade destas minhas reflexões, nem a justiça de certas homenagens, ainda que póstumas, à Anita Ekberg, entretido que anda com homenagens outras ao Matheus Solano, ao Caio Castro, ao centroavante Fred ou ao zagueiro Thiago Silva. Não perceberá, talvez, por ter-se acostumado a um ideal de mulheres perfeitamente anti-sépticas, sem as tetas ubérrimas, absolutamente pornográficas da Anita, sem a opulência de pentelhos crespos que decerto povoavam as cercanias e lonjuras duma xavasca majestosa, que eu imaginava pontilhada de romanas gotículas da mesma fonte onde a srta. Ekberg — estou certo disso — gargarejou depois de saciar o nosso herói Mastroianni, para tirar o gosto ruim (ou assim me assegura a Danusia Barbara).


No princípio foi a Anita. Depois vieram Sophia Loren, Claudia Cardinale, Ornella Mutti, a retardada fudeca do Amarcord, Valeria Ciangottini (perdoa-me, padre) e as outras, não italianas (mas não por isso menos putas), Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, Sophie Marceau, e as suecas — de todas as mais putas, nem trezentos anos de catolicismo à vera —, Bibi Andersson, Britt Ekland, Ingrid Bergman. E Anita Ekberg.


O amigo leitor não me entenda mal: não serei eu, justo eu, a revirar os olhinhos, alisar a borda do roupão púrpura com o polegar e o indicador e sentenciar, dorso da mão na cintura, que mulheres eram as de antes. A Marina Ruy Barbosa querendo, estou a postos para dar-lhe beijinhos no umbigo (por dentro). Mas o público heterossexual deste nosso Brasil (todos os cem) há de convir comigo que havia um quê de tocante em tetas, peidas e xavascas como as do cinema europeu dos anos sessenta — algo que falava a algum instinto primevo nosso e nos fazia querer sair por aí a perfurar rachas e arrebentar entrefolhos desregradamente. Sem medo de passar a semana seguinte a regurgitar pentelhos.


E, se concorda comigo, talvez já ache um pouco menos insólita a tara que me aflige desde que vi a Judy Garland adolescente, peitinhos em riste e vestidinho de chita, a cantar sobre um lugar onde the dreams that you dare to dream really do come true. Como o de comer uma mulher em branco e preto.